Depois de um primeiro lugar na prova de Dueto Técnico Absoluto na 32ª edição da Hungarian Cup, em Budapeste, a dupla Anna Carvalho e Inês Dubini brilha na natação artística e o foco está agora em alcançar um lugar nos Jogos Olímpicos de 2028, em Los Angeles.

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As duas atletas, que pertencem ao Clube Fluvial Portuense e contam com o apoio do projeto Heróis Betano, treinam no Porto e almejam um palmarés internacional. Se chegarem às olimpíadas, vão se tornar as primeiras portuguesas a representar o país ao mais alto nível na modalidade. O caminho será longo e exige muito trabalho, mas dedicação e força de vontade não lhes falta, depois de terem já representado Portugal no Campeonato da Europa Absoluto do passado verão, terminando em 9.º lugar no dueto técnico e no 13.º lugar em dueto livre.

Na capital da Hungria, em novembro, obtiveram a pontuação total de 215.3583, superando então os outros cinco duetos em competição. E na última semana, em Coruche, onde decorreram os Nacionais de Natação Artística, ficaram no segundo posto do Dueto Técnico, com Inês Dubini a terminar na frente nos elementos técnicos absolutos. Mas, o que as trouxe esta duas estudantes até aqui?

O nascer da paixão pela natação artística, um desporto "incrivelmente completo"

Inês, explica-nos, até começou pelo ballet, mas não se sentiu preenchida. "Depois, a minha mãe insistiu que eu aprendesse a nadar, mas a natação pura parecia-me monótona, apesar de eu adorar estar dentro de água. A viragem aconteceu em 2015, quando soubemos que o Clube Fluvial Portuense tinha apostado numa nova equipa técnica para a Natação Artística. Fui experimentar e percebi que ali conseguia juntar a expressão artística à água. Foi amor à primeira vista e, 10 anos depois, a paixão mantém-se intacta", sublinha.

O percurso de Anna não é muito diferente. "Curiosamente, o meu percurso tocou no da Inês antes de nos cruzarmos. Eu estava na natação pura, mas passava os treinos distraída a olhar para a pista do lado, onde a equipa de artística treinava. Aquilo fascinava-me muito mais do que contar piscinas. Um dia, uma das treinadoras percebeu o meu interesse e chamou-me para experimentar. Aceitei o desafio naquele momento e nunca mais olhei para trás", recorda.

"Para quem vê de fora, existe aquele fator visual de impacto, a beleza artística. Mas, para nós, a verdadeira motivação está na recompensa do esforço diário"

A natação artística é, pois, uma paixão que foi crescendo com as duas. Inês começou aos 10 anos, Anna aos 12. "Hoje, com 20 e 19 anos respectivamente, continuamos aqui porque é um desporto incrivelmente completo. Para quem vê de fora, existe aquele fator visual de impacto, a beleza artística. Mas, para nós, a verdadeira motivação está na recompensa do esforço diário. Sentir a nossa evolução e ver o trabalho a transformar-se em resultados é o que torna esta modalidade tão especial para ambas", resumem.

E como se tornaram num dueto? "O nosso caminho cruzou-se em 2021. Até aí estávamos em escalões diferentes, já que a Anna é um ano mais nova, mas assim que ela subiu a júnior, a nossa treinadora, a Sílvia Pinto, juntou-nos de imediato. Ela via em nós uma semelhança física fundamental para a modalidade", recorda-nos Inês.

No entanto, como nos contam, o início foi um verdadeiro processo de adaptação. "Temos um histórico de competições desafiante porque, apesar de parecermos iguais na água, somos atletas muito diferentes na 'terra'. Temos métodos de trabalho distintos e reações ao treino complementares: onde uma tem dificuldade, a outra tem facilidade. Isso obriga a Sílvia a uma 'ginástica mental' incrível para conseguir que, no momento da prova, estejamos perfeitamente sincronizadas. Desde 2021 que trabalhamos essa ligação e hoje a nossa confiança mútua é total", garantem.

O desafio de conciliar a competição com os estudos e um apoio "fundamental"

Ainda bastante jovens, as duas têm naturalmente de viver com o desafio de conciliar treinos e competição com os estudos. "Estamos ambas na Universidade do Porto, em áreas que, curiosamente, ligam muito bem com a vertente estética do nosso desporto. A Inês está em Artes Plásticas na Faculdade de Belas Artes e eu em Arquitetura Paisagista na Faculdade de Ciências", conta.nos Anna.

"Conciliar estes dois mundos é um puzzle diário", reconhece. "A nossa treinadora, a Sílvia, conjuga os nossos horários académicos e aproveitamos todos os tempos livres para ir treinar ao Fluvial. Não é fácil, porque são cursos muito práticos: não basta estudar teoria, temos de entregar maquetes, desenhos e projetos, o que exige muitas horas de dedicação extra", sublinha.

Ainda assim, mesmo conscientes de que têm de abdicar de muitas outras coisas, garantem que o fazem por gosto e por estarem apaixonadas pelo que fazem, quer no desporto, quer na vida académica.

"Somos apaixonadas tanto pelo que estudamos na faculdade como pelo que construímos na piscina"

"A verdade é que, para chegarmos onde queremos no desporto, tivemos de abdicar de uma fatia grande da nossa vida social. Enquanto os nossos amigos têm tempo livre, nós estamos na água ou a estudar. Mas fazêmo-lo com consciência e gosto, porque somos apaixonadas tanto pelo que estudamos na faculdade como pelo que construímos na piscina", dizem-nos, com um sorriso.

Para que tudo seja possível, fundamentais são também os apoios que vão recebendo.

"O projeto Heróis Betano é fundamental, porque preenche uma lacuna que ainda existe no sistema desportivo. Mais do que o suporte financeiro, que é decisivo para as viagens e competições, este apoio traz reconhecimento", sublinha a dupla. "Sentimos que há uma marca grande a acreditar no nosso potencial, o que nos dá uma motivação extra, embora continuemos a achar que é necessário um reforço dos apoios federativos e institucionais", acrescentam Inês e Anna.

Anna Carvalho e Inês Dubini
Anna Carvalho e Inês Dubini

Um sonho olímpico que é "meta dificílima", mesmo com a "motivação no auge"

E para o futuro, o que se segue? Quais os objetivos? Tal como muitos atletas, também Anna Carvalho e Inês Dubin sonham com os Jogos Olímpicos e a presença em LA 2028 é o grande objeitvo. Mas com um caminho feito passo a passo. Até porque, sublinham, a estrutura no que toca à natação artística está ainda bem longe de ser a ideal.

"O nosso foco está totalmente na internacionalização. Em Portugal, o calendário competitivo é muito curto, temos apenas dois momentos de prova por ano, o que é insuficiente para quem quer evoluir ao mais alto nível. Temos de ganhar ritmo competitivo e nos colocar à prova contra as melhores. Graças a apoios como o do Heróis Betano, conseguimos sair da nossa 'bolha', viajar e competir com regularidade lá fora. A prova de que este é o caminho certo foi o 1.º lugar que trouxemos recentemente de Budapeste. Foi um momento incrível que validou todo o nosso esforço e nos deu motivação para continuarmos a procurar palcos cada vez maiores", apontam.

"LA 2028 é, sem dúvida, o horizonte para onde olhamos. Mas, para chegar lá, é preciso muito trabalho"

"LA 2028 é, sem dúvida, o horizonte para onde olhamos. Mas, para chegar lá, é preciso muito trabalho", reconhecem. "A Natação Artística em Portugal ainda sofre de pouca visibilidade e apoios estruturais escassos. Neste momento, estamos a fazer um trabalho de excelência ao nível de clube, com a nossa treinadora, mas competir para uns Jogos Olímpicos exige uma estrutura de Seleção e de País que ainda sentimos que falta. Estamos, de certa forma, numa 'corda bamba'. O sonho olímpico é possível mas, para se concretizar, precisamos que este esforço deixe de ser 'apenas' nosso e do clube, e passe a ser um projeto com maior suporte nacional", frisam Anna e Inês.

A treinadora, Sílvia Pinto, destaca o esforço das suas pupilas "A Anna e a Inês treinam cerca de 25 horas por semana, conciliando esta carga de elite com cursos universitários exigentes. O nível de disciplina e sacrifício aqui é total. Temos um objetivo histórico em mente: colocar a Natação Artística portuguesa nos Jogos Olímpicos pela primeira vez. É uma meta dificílima. Só os 18 melhores duetos do mundo se apuram, mas o potencial está lá", garante.

No entanto, também ela lembra que, num país como Portugal, não é uma missão fácil, apesar de sermos um país de inegável talento a nível do desporto. "Portugal é um país com um talento desportivo extraordinário e vibramos todos, justamente, com conquistas como a recente vitória dos sub-17 no futebol ou os títulos mundiais na patinagem artística. Mas é fundamental que esse reconhecimento se estenda a quem trabalha na sombra", salienta.

"Para chegar a Los Angeles 2028, falta-nos fechar o triângulo. Sentimos que a 'máquina' está a funcionar graças ao esforço do clube, das famílias e de parceiros como o programa Heróis Betano, que nos permitiu ganhar mundo. As atletas já provaram o seu valor e compromisso; agora, precisamos que a estrutura federativa acompanhe este passo e oficialize a aposta neste dueto como um projeto de Seleção. O trabalho de casa está feito, a motivação está no auge; só nos falta esse último 'sim' institucional para fazermos história".

E que bonita história seria termos Anna e Inês em Los Angeles a encantarem tudo e todos, em 2028.

Anna Carvalho e Inês Dubini com a treinadora, Sílvia Pinto
Anna Carvalho e Inês Dubini com a treinadora, Sílvia Pinto