Se o fenómeno do Padel em Portugal levou milhares de pessoas a pegar numa raquete pela primeira vez, o Pickleball promete seguir um caminho semelhante. Nascido de uma mistura improvável entre Ténis, Badminton e Pingue-Pongue, é simples, acessível e inesperadamente viciante — um desporto que cria ligações instantâneas.

E foi durante a pandemia que encontrou terreno fértil para se desenvolver: dos campos improvisados ao número crescente de entusiastas, o fenómeno começa a espalhar-se de norte a sul do país.

A leveza da raquete, a bola que sobe lentamente no ar, o impacto suave que lembra o pingue-pongue… tudo no pickleball parece pensado para ser amor à primeira vista.

"Só o facto da raquete ser leve e da bola ser leve foi algo que me entusiasmou"

Foi há uma década que Paula Bobrow trocou terras de Vera Cruz pelo nosso país. Uma decisão da qual não se arrepende.

"O meu marido reformou-se na altura e acabei por vir para cá porque adoramos o país, uma vida mais calma. O brasileiro não sabe quantificar o bom que é podermos andar à noite sem nos preocuparmos se vai acontecer alguma coisa. Já estávamos com os filhos criados e resolvemos ficar aqui em Portugal. Foi das melhores decisões da minha vida", começa por dizer.

Paula mantém uma vida ativa, em que o desporto é presença constante. Apesar disso, havia algo que a rotina não preenchia.

"Eu sempre gostei de desporto, é algo que eu faço diariamente. Joguei squash na minha juventude e sentia muita falta de jogar um jogo de raquetes".

Raquete de pickleball e rede
Raquete de pickleball e rede Raquete de pickleball e rede créditos: André Delgado

A leveza da raquete foi algo que a cativou desde a primeira pancada. "Cheguei a romper o tendão, por isso não poderia fazer nada com uma raquete muito pesada. Há um ano fui passar umas férias num resort e havia campos. Estava com a minha filha e com o meu genro e começamos a jogar e não sabíamos nada sobre o desporto. Mas só o facto da raquete ser leve e da bola ser leve foi algo que me entusiasmou muito", lembra.

A partir desse instante, algo a agarrou no jogo. E foi assim que a modalidade conquistou, Paula Bobrow, devagar, devagarinho.

"Quando regressei da viagem comecei a pesquisar na internet o que havia de disponível porque é um jogo que ainda está a começar em Portugal e não há a febre que existe nos Estados Unidos. É um desporto muito divertido que pode ser jogado com pessoas mais idosas ou mais jovens. É muito rápido, exige muita concentração", atira, deixando uma revelação curiosa.

"Faço muita coisa, bicicleta indoor, aula de aeróbica, ginásio, mas é no Pickleball onde eu acabo por gastar mais calorias."

Ricardo Rosário:  jogador-treinador-dirigente

Treinador, jogador e diretor técnico nacional, Ricardo Rosário é um dos principais impulsionadores deste desporto no nosso país. Começou a jogar em meados de 2021, por iniciativa de algumas pessoas que viviam no estrangeiro. A partir daí "começou a montar o campo para treinar", recorda.

Tenista de competição até aos 18 anos, manteve sempre uma ligação à modalidade com aulas semanais. Mais tarde, aos 40 e poucos anos, iniciou-se no Padel, onde se sagrou campeão nacional em M3 por equipa em 2026. Manteve-se a competir nesta categoria até 2023, no circuito da FPP.

A descoberta do Pickleball surgiu quase por acaso, durante a pandemia.

"Aprendi o Pickleball numa clínica que fiz na Ericeira, e após isso comecei a fazer uns 'open plays' na Parede. Depois conheci um amigo brasileiro e começamos os dois a treinar. Montávamos um campo num 'playground' público, fazendo linhas a giz e colocando a rede amovível. Treinavamos os dois para preparar a competição", recorda a realidade de então, em que a modalidade era praticamente desconhecida.

"Aqui em Lisboa praticamente ninguém nos batia porque éramos os únicos que treinávamos 'à séria’' e regularmente".

Ricardo Rosário, jogador, treinador de pickleball
Ricardo Rosário, jogador, treinador de pickleball Ricardo Rosário, jogador, treinador de pickleball créditos: André Delgado

Em pouco tempo, o fenómeno cresceu e o circuito nacional, organizado pelo PPT (Pickleball Portugal Tour), já conta com três anos de existência.

O circuito nacional, PPT (Pickleball Portugal Tour) vai no seu terceiro ano. Este ano arganização passou para a PTPICKLE Associação Pickleball de Portugal.

Ricardo reconhece que a mudança se deveu sobretudo à parte competitiva, num desporto que não sobrecarrega tanto o corpo.

"Eu sou uma pessoa muito competitiva e, na altura, precisava de continuar a ganhar (risos) e por isso fui para um desporto também novo. No Padel tinha acabado de passar dos 50, e no Pickleball estava muito mais competitivo", admite.

A prática motivou igualmente a busca pelo conhecimento do jogo e pela parte técnico-tática. Em princípios de 2024, o gestor de profissão, tirou um curso de nível 1 e 2 em Espanha e passou-se a dedicar às aulas no Oeiras Padel Academy (OPA).

"Já era um jogador de raquetes com muita técnica, mas como treinador ganhei um grande conhecimento do jogo e tenho passado isto a muita gente. Já ensinei aqui muita gente a jogar, inclusivamente alguns jogadores com nível avançado para os preparar para fazer competição", explica o diretor técnico nacional.

Pickleball: dos EUA para o Mundo

O Pickleball não é exatamente um desporto novo. Surgiu no verão de 1965, nos Estados Unidos, quando Joel Pritchard, congressista, e mais tarde, vice-governador em Washington, e Bill Bell regressaram de uma partida de golfe e encontraram as suas famílias sem nada para fazer. Montaram então uma rede de badminton, mas não conseguiram encontrar uma pena ou outro equipamento. Com uma bola wiffle e remos improvisados, baixaram a rede e criaram o jogo. O reaparecimento da modalidade surgiu durante a pandemia, devido ao distanciamento social.

O Pickleball é um fenómeno global". "Há pessoas de todas as nacionalidades a jogar, o que é interessante", esclarece Ricardo Rosário.

"Neste momento a modalidade tem mais praticantes a nível mundial do que o Padel por causa da explosão na Ásia, em países como o Vietname, Malásia, Índia ou Filipinas. A China em progresso. Na Europa, o Pickleball vai tendo sucesso. Espanha e Inglaterra na frente. [...] Há torneios com prize-moneys, mas depois alguns jogadores de nível mais elevado complementam isso com aulas/clínicas", conta-nos Ricardo. Até agora, não existe um verdadeiro nível profissional mas para lá caminha.

• Campo e Equipamento
– Joga-se num campo semelhante ao do badminton (6,10 m × 13,41 m).
– Usa-se uma raquete rígida e uma bola perfurada de plástico.

• Serviço
– O serviço é sempre por baixo (underhand), cruzado e sem salto da bola.
– O jogador deve manter pelo menos um pé atrás da linha de fundo.

• Regra do “Double Bounce”
– Após o serviço, a bola tem de bater uma vez em cada lado antes de poder ser jogada no ar (volley).
– Só depois de ressaltar duas é que os voleys são permitidos.

• Zona de não-volley (“Kitchen”)
– A área próxima da rede (2,13 m de cada lado) não permite que se façam volleys
– Pisar a linha ou entrar na “kitchen” durante um volley é falta.

• Pontuação
– Só a equipa/jogador que está a servir pode pontuar.
– O jogo é normalmente até aos 11 pontos (vence quem ganhar por dois).

• Modalidades
– Pode ser jogado em singulares ou pares, sendo o formato de duplas o mais popular.

Para além da competição, este desporto de raquete também traz essa vertente do intercâmbio, permitindo aos jogadores conhecerem outras pessoas, com quem podem jogar e criar uma comunidade.

"A primeira intenção era voltar a ter contacto com um desporto de raquete, mas obviamente ter a possibilidade de fazer amizades. Tenho amigos, mas não nasci cá e não tenho filhos pequenos e não posso fazer amizades com os pais da escola. É uma forma de estar em contacto com pessoas diferentes, de vários países, de praticar o inglês, porque vivem cá muitos norte-americanos. Comecei a frequentar diversos grupos que se reúnem para jogar e é muito giro e as interações são boas e pelo que foram todos 'picados' por esta paixão", frisa a cidadã brasileira.

Visualmente, o desporto pode não parecer particularmente rápido, se o compararmos ao Padel, mas Ricardo Rosário, desmitifica o conceito. "As bolas atingem velocidades elevadas perto dos 100 km/h, a única coisa que se pode apontar é o esforço físico que no Padel é maior."

Uma das missões passa por corrigir os vícios que os praticantes trazem do Padel e do Ténis. "Às vezes sou um bocadinho chato, insisto muito na questão técnica."

Paula Bobrow é uma das 'vítimas' do perfeccionismo de Ricardo.

"O Ricardo é um professor muito técnico e faz questão que a pancada saia correta. Quando batemos corretamente só temos que pensar na estratégia que vamos utilizar. Quando aprendemos a andar de bicicleta, deixamos de pensar em pedalar e vamos estar a pensar no caminho, então eu faria a mesma correlação", refere.

É um desporto acessível a todas as idades, dos 8 aos 80, mas tem tido um particular impacto entre praticantes com mais de 50 anos, que procuram uma experiência mais social ou sessões de 'open play'. É também uma opção indicada para quem leva uma vida mais sedentária e quer voltar a fazer algo.

"Estamos tão focados em ver a bola, acertar as pancadas, posicionar-nos no campo que parece que desligamos de tudo", conta Paula Bobrow

"Com o avançar da idade perde-se concentração e os desportos de raquete ajudam muito nesse campo. Estamos tão focados em ver a bola, acertar as pancadas, posicionar-nos no campo que tudo que desligamos de tudo. Ficamos imersos no jogo e faz muito bem à parte cognitiva, à saúde, a tudo", elogia a brasileira, que olha para o desporto como "um jogo de paciência", o ideal para os dias que correm.

"Quando menos ansiosos estivermos, melhor corre o nosso jogo. E acho que com a idade vamos ficando mais ansiosos, talvez devido ao tempo que vivemos, com a instabilidade politica, redes sociais. Gostava de ter condições físicas para jogar todos os dias, porque é viciante", garante.

Pickleball em Portugal: divulgar, treinar e formar campeões

Raquetes e bolas de pickleball
Raquetes e bolas de pickleball Raquetes e bolas de pickleball créditos: André Delgado

O diretor técnico nacional não tem dúvidas sobre aos benefícios da modalidade. "Há pessoas que jogaram Ténis há muitos anos, e devido à menor mobilidade e à idade mais avançada, conseguem jogar [Pickleball] porque não há tanto esforço físico. É importante para trabalhar os reflexos, a condição física, para se ter mais longevidade, e isso é fundamental.  Num cenário de envelhecimento da população, onde temos uma das populações mais envelhecidas da Europa obviamente isso é muito importante", sublinha Ricardo.

O objetivo passa agora por atrair jogadores com um perfil mais competitivo, de preferência em idade escolar. O plano já está traçado:

"Tenho alunos que vêm aqui e aumentam o nível, até ao nível 3.5, para que depois possam chegar a um torneio para tentar obter um resultado. Estão a entrar cada mais pessoas que vêm em particular dos desportos de raquetes e mesmo de desportos coletivos. A PTPICKLE Associação Pickleball de Portugal tem em curso ações nas escolas, para que os professores de educação física possam ensinar os alunos. Para já é necessário difundir o ensino da modalidade e explicar as regras", elucida o jogador-técnico-dirigente.

Para além do papel de treinador, Ricardo Rosário continua ativo enquanto jogador, tendo participado na categoria Open (18+) e no escalão acima dos 50 anos - onde terminou no top-4 e top-1, respetivamente em 2024/2025. Sagrou-se campeão nacional de Duplas Masculinas 50+ em 2025. Para ele, os títulos trazem não só satisfação pessoal, mas também outras vantagens.

"Ganhar é sempre bom, também, no sentido de dar um exemplo às pessoas que querem aprender e competir. Cada vez tenho mais alunos porque é um desporto que também está na moda", sublinha.

No último campeonato do mundo da modalidade, em novembro, Portugal terminou em terceiro lugar com uma equipa de jogadores radicados nos Estados Unidos. Por cá, o desporto ainda dá os primeiros passos a nível competitivo.

"Portugal ainda está quase do zero, estamos a falar de uma modalidade que tem três anos cá. E o desafio é ter infraestruturas, clubes, e investidores que façam campos. O crescimento poderá ser grande, como foi o Padel".

O custo de de investimento para a construção de um campo de Padel é de 25 mil euros, no caso de Pickleball ronda os 3000 euros. Um raquete de iniciação ronda os 50/60 euros, e as bolas custam à volta de 3 euros.

Do outro lado do Atlântico, a impressão é de que a modalidade já avança a outra velocidade. "Em relação aos campos e às infraestruturas parece-me que está mais desenvolvido no Brasil. Mas eu também vivo em São Paulo, onde a população é muito grande e o contexto é diferente de Portugal. Financeiramente não deixa ser um investimento. Ao nível do preço das aulas e dos campos é semelhante ao Brasil", adianta esta brasileira que se deixou encantar por Portugal.

Uma das ambições passa por criar uma Federação para modalidade, mas para que isso possa ser uma realidade são exigidas determinadas condições.

"Precisamos de concorrer mais tarde ao estatuto de utilidade pública, para usufruirmos do orçamento de estado e para isso serão necessárias mais infraestruturas. Faremos esse concurso na altura própria, mas será um passo necessário no futuro para o desenvolvimento da modalidade", assegura o gestor.

O jogador e treinador não tem dúvidas de que o desporto "veio para ficar". Lembra que o mesmo foi questionado nos primeiros tempos do Padel — e, ainda assim, a modalidade explodiu. O Pickleball segue agora o mesmo caminho: "Está a ter um desenvolvimento extraordinário. É o desporto que mais cresce a nível mundial".

Portugal não é exceção. O grande desafio, sublinha Ricardo, é garantir o investimento necessário para acompanhar esta expansão.

De lés a lés, os campos de Pickleball já se espalham pelo nosso país. No Norte, o nível competitivo é mais elevado, especialmente nos clubes do Porto e arredores. No Algarve, a prática concentra-se numa população de expats (americanos e ingleses), com 'open play' e campos montados, ainda sem muitas infraestruturas definitivas", explica.

Quanto a Paula Bobrow, o desejo é claro: quer continuar a jogar — e, quem sabe, competir.

"O Ricardo [Rosário] queria muito que eu entrasse agora numa competição, mas infelizmente não irei conseguir, mas quero entrar no futuro.  Também outra das dificuldades é encontrar um parceiro com que eu possa jogar com regularidade. Existe competição a solo, não que eu não tenha capacidade para isso, mas é mais complicado", detalha Paula,  que pretende jogar em duplas no futuro.

Quanto a puxar o marido para a modalidade, isso já são outros 'quinhentos'. "O meu marido não consegue jogar por causa de um problema no pé. E, sinceramente, este também é um momento meu — acho importante isso nas relações. Gosto de estar com o meu marido, claro, mas também de praticar algo que é só meu”, completa.