Um dia depois de o Estádio do Bessa ter sido alvo de buscas da Polícia Judiciária, o silêncio continua a ser o som dominante à volta daquela que foi, em tempos, uma das catedrais do futebol português. Não há sirenes nem agentes à porta. Mas há marcas. Invisíveis, mas reais. Nos rostos, nas vozes e nas dúvidas de quem ali passa.

A estrutura imponente mantém-se de pé, entre o betão e os vidros que refletem o céu da cidade. Mas por dentro, reina a incerteza. No coração dos adeptos, um misto de vergonha, incredulidade e resistência.

“A PJ esteve aqui… nunca pensei ver isto”

João Silva, 58 anos, caminha devagar junto à entrada principal. Ontem de manhã, viu os carros da Polícia Judiciária estacionarem em frente ao estádio. “Vi agentes a entrarem, portas arrombadas, documentos a saírem em caixas. Nunca pensei ver o meu clube assim.”

As buscas foram realizadas no âmbito de uma investigação por suspeitas de fraude fiscal, branqueamento de capitais e gestão danosa. Estão em causa alegadas irregularidades financeiras entre 2023 e 2024. Seis arguidos foram constituídos — entre eles o ex-presidente Vítor Murta.

“É duro”, continua João. “Já tivemos de engolir descidas, dívidas, maus resultados… mas agora é isto. Justiça dentro do estádio. Parece ficção.”

A calçada que rodeia o estádio está limpa, mas com algumas marcas recentes junto a uma das entradas laterais — estilhaços de vidro que ainda não foram totalmente removidos. Um funcionário sai momentaneamente do edifício e olha em redor antes de trancar de novo a porta, como se não quisesse dar explicações. Tudo está mais silencioso do que o habitual, mesmo para uma manhã de verão sem futebol.

“Ontem foi a PJ… amanhã pode ser o fim”

Cláudia Matos, 39 anos, esteve no local com o filho de sete. “Ele ficou assustado. Perguntou se o Boavista ia ser preso. E eu nem sei o que responder.”

O clube falhou a inscrição na II Liga e na Liga 3, e vê agora a possibilidade de regressar aos campeonatos distritais bem real.

“É como viver um luto a prestações. Cada semana é mais uma ferida. Já nem há ânimo para falar de futebol. Só queremos respostas. E respeito”, disse ainda.

Ainda há quem resista

Entre a tristeza e a frustração, há também quem mantenha a fé. Manuel Pereira, 70 anos, faz a sua habitual volta ao estádio. “Não é para ver nada. É para sentir que ainda estamos cá”, disse desolado.

Para ele, o Boavista está ferido, mas não acabado: “Isto são os restos de uma má gestão. Mas o clube… o verdadeiro clube, o dos sócios e adeptos… esse ainda vive.”

Na manhã seguinte às buscas, o cenário é de desolação discreta. O movimento é escasso. Algumas pessoas param apenas para tirar fotos à porta fechada. Outras conversam em surdina. A imagem do Bessa como fortaleza está intacta por fora — mas, por dentro, a estrutura treme.

O presidente atual, Rui Garrido Pereira, garantiu que a nova direção está a colaborar com as autoridades e não está envolvida nos factos sob investigação. Mas a mancha já está feita. E a mancha cola-se às paredes, aos símbolos, às memórias.

“Ainda vamos voltar”

Num dos muros laterais do estádio, pintado à pressa, alguém escreveu: “Ainda vamos voltar.” Entre o cinismo e a esperança, essa frase resume o estado de alma boavisteiro.

O Boavista continua ali. O estádio não caiu. Mas o que caiu — de forma retumbante — foi a confiança. No futuro imediato, restam decisões administrativas, respostas judiciais e a voz dos que nunca deixaram de vir. Mesmo quando tudo parece ruir.